Desde quando vi o vídeo da Rita Lee tomando vacina naquele bracinho magrinho, quase pele e osso, tentei me preparar par ao fato de que ela não iria durar muito por aqui. Não sei se eu classificaria ela no “top 10” dos músicos que mais admiro, mas o lance da Rita é como ela está presente na vida de todo brasileiro que viveu na mesma época que ela. Minha mãe, por exemplo, nascida em 1958, era muito nova pra entender quando surgiu os Mutantes, mas adora e tinha os discos mais por-rock dela dos anos 70/80, e a Rita foi muito mais do que uma cantora de sucesso. Ela foi talvez a artista mulher mais relevante, midiática, figura de cultura pop mesmo, da nossa história. A música era parte desse conjunto visual, de figurino, e de atitude de vida, dentro e fora dos palcos
Tenho um orgulho meio bobo de ser da mesma cidade de onde saíram os Mutantes e a Rita, meio que do mesmo estrato social. Fico imaginando o rolê entre a Vila Mariana e a Pompeia desses adolescentes, sem dúvida privilegiados, brancos de famílias com recurso pra bancar a brincadeira que devia ser cara na época, as referências. A Rita, da família Lee Jones que fugiu do sul dos EUA após a Guerra Civil (vindo para cá sabemos para que), que estudou no Liceu Pasteur e sabia, além de inglês e francês, espanhol e italiano. Imagina na São Paulo dos primeiros anos da ditadura, ela por dentro do rolê acontecendo nos EUA e na Inglaterra, verão do amor, flower power, e tb Maio de 68, os protestos do Vietnã, a fita toda, servindo meio como uma antena pra transmitir pra cá tudo isso. E o tamanho que essa mulher teve para enfrentar e pisar na caretice extrema vigente naquela época e até agora, exercendo uma liberdade total de ser ela toda. O encontro, aqui em SP, com os baianos, e o papel dela na Tropicália (que mesmo reconhecido, é minimizado). Nesse momento em que São Paulo esteja talvez mais abandonada, mas que teima em produzir cultura nas frestas, mesmo com essa origem de elite, a Rita tem que ser conhecida por todo mundo, tem que ser celebrada pela cidade da qual foi talvez a melhor filha.
Mas todo esse papel social e político que ela teve é tributária do mérito artístico, da criatividade e inventividade infinitas, da capacidade de se reinventar, acompanhar as tendências, do psicodélico ao hard rock setentista ao pop-disco, e mesmo que no final ela virou mesmo uma autoparódia e apostou em projetos mais “seguros” (não posso dizer “careta”, sobre ela não), o impacto cultural que ela teve em São Paulo e no Brasil, na capacidade de canalizar toda uma avant-garde e ser extremamente popular (ela é a quarta artista que mais vendeu discos no Brasil, atrás só de Roberto Carlos, Nelson Gonçalves e Angela Maria) é, na minha visão, única. E importante frisar, embora eu ame os irmãos Batista, a relevância dela é ordens de magnitude maior que a dos Mutantes sem ela.
Enfim, vamos celebrar a vida dessa mulher única, nos inspirar na história dela, na do relacionamento dela com o Roberto de Carvalho, que merece muito respeito pelo amor e dedicação a ela desde que se conheceram até o final. Ontem eu chorei, mas a que mais me tocou foi essa que era um Lado B até ela gravar pro Acústico e que resume tudo.