Entrei no Twitter em março de 2009. Ainda nem tinha me formado em jornalismo, tinha 26 jovens anos, e lembro de ouvir falar dessa nova rede de microblogging pelo menos desde o ano anterior, mas nunca fui super early adopter. Mesmo assim, peguei a fase em que “era tudo mato”.
No começo, tuitava mais, naquele espírito de usar o Twitter quase como um diário, comentando fatos banais do dia a dia. Comecei a seguir uma galera que eu conhecia, ou pessoalmente ou como alguma referência profissional ou de interesse pessoal, e cada vez mais o Twitter foi se tornando minha principal fonte de informação e referências.
No auge, o Twitter era sinônimo do “melhor da internet”. Uma rede baseada em texto, em que estava todo mundo. Desde amigos e conhecidos pessoais até todo tipo de celebridade, artista, jornalista, pesquisador, acadêmico, em uma conversa em tempo real sobre o que estava acontecendo. Era imbatível para acompanhar “breaking news”, grandes eventos e acontecimentos. Não só era onde tinha a informação fresquinha, em primeira mão, como também as melhores análises e, não menos importante, as melhores piadas e memes sobre esses assuntos que dominavam as discussões. Você poderia interagir diretamente com seus ídolos, referências, pessoas fodas em suas áreas.
Mas, lá por 2014, o que era só diversão foi começando a dar lugar ao pior da internet. O Twitter nunca foi uma rede tão massiva como o Facebook e, posteriormente, Instagram e WhatsApp, mas por quem estava lá, se tornou muito importante para o debate público e político. Em 2014, acontece o Gamergate, em que o submundo da extrema-direita online, que já existia, mas era muito marginal e disperso, começa a se organizar e tomar forma. Dois anos depois, o Trump foi eleito e o resto é história.
Há um tempo, depois que o Elon Musk comprou o Twitter e mandou todo mundo embora, rolou aquela comoção de que o Twitter podia cair e eu consegui baixar meu arquivo com tudo o que eu fiz na plataforma desde 2009. Era possível ver os tweets em ordem cronológica a partir dos mais antigos e foi uma experiência muito doida lembrar dos fatos que eu relatava lá há tanto tempo, como as coisas mais banais foram perdendo espaço para a política e assuntos sérios e o quanto, depois de 2014 mas se intensificando cada vez mais até o presente, o Twitter, as redes sociais e o debate público foram todos ficando cada vez mais tóxicos e insalubres.
Os problemas do Twitter antecediam o Elon Musk, mas o que ele viu na rede, e o levou a fazer um péssimo negócio pagando US$ 44 bilhões por uma empresa que hoje vale menos de US$ 1 bi, foi poder liderar o movimento de extrema-direita que já estava totalmente disseminado no Twitter e no mundo real, por puro alinhamento ideológico. Não preciso me alongar aqui em tudo o que aconteceu desde que ele assumiu a rede, como o fim da moderação, a profusão de nazistas, spam e spammers nazistas, e essa insana luta dele com o Xandão e a recusa a se submeter e cumprir a lei brasileira. Não vou entrar aqui nos méritos do Xandão, mas estou meio em choque o quanto um cara muito rico, com um histórico esquisito e que cada vez mais abraça abertamente a extrema-direita em seus aspectos mais extremos, pode destruir. O Elon Musk destruiu uma rede que era fundamental e é insubstituível (sim, tem o Bluesky, o Threads, o Mastodon, mas nenhuma chega perto em alcance e provavelmente nunca chegarão). O que o Twitter criou era único, e foi irremediavelmente arruinado.
Baixei novamente meus dados antes da suspensão do X começar a valer e agora não sei se e como vou reaver minha conta, e estou até um pouco preocupado, pois os relatos são de que os incel nazistinhas fãs do Musk usando VPN dominaram a rede e estão inclusive roubando as contas que agora seus donos não conseguem acessar. O estrago no Twitter é irremediável. Mas quanto estrago mais vamos permitir o Elon Musk fazer na democracia e no debate público? Ele está totalmente descontrolado e cada vez mais perigoso. E tem muito poder, em dinheiro e influência. Minha humilde conta no Twitter com uns 1600 seguidores é um grão de areia, mas ainda estou tentando processar a enormidade do que está acontecendo.
Hoje, acordei e geralmente o X/Twitter era minha principal fonte de informação sobre o que estava acontecendo no mundo, era meu jornal diário. Senti um vazio sem saber o que estava acontecendo, mas fiquei pensando se eu precisava mesmo ter acesso a tanta informação antes, e o que tanto acesso a tanta informação faz com a nossa cabeça? Minha produtividade já melhorou hoje sem o Twitter, e não duvido que minha saúde mental também irá melhorar sensivelmente.
Lá nos anos 60, ao ver as bancas de jornal de São Paulo, Caetano Veloso se perguntou: “quem lê tanta notícia”? Os jornais e bancas de jornal são coisa do passado, mas a pergunta continua relevante.