Sempre me considerei uma pessoa otimista, achava que, entre avanços e recuos, de alguma forma a humanidade evolui e a vida melhora, mas os últimos acontecimentos estão abalando essa crença. Seguimos sufocando lentamente e praticamente em silêncio nessa fumaça apocalíptica que cobre boa parte do Brasil, reféns de um poder econômico que simplesmente não se importa com mais nada além do lucro imediato, e não há força e coesão social suficiente para deter quem está nos matando. Eles venceram e comemoram a vitória com fogo. Meu filho de 2 anos e 8 meses, e muitos dos coleguinhas dele da creche, estão doentes. Eu estou doente, há dias com uma dor de cabeça que não passa, dormindo mal, com dificuldade para respirar, cansaço e indisposição constantes, mas sigo fazendo minhas atividades e resolvendo os pepinos que não param. Estou repetindo o que já escrevi semana passada, mas é isso, seguimos a vida.
Ontem já estava bem mal-humorado e com a ansiedade batendo, e ainda tive que lidar com a notícia do candidato-coach na Bienal do Livro em São Paulo dizendo que ia banir da rede municipal de ensino livros que ele não considerasse adequados para nossas crianças, por “deturparem a produtividade, o crescimento e a liberdade”. Confesso que – e isso mostra como realmente estamos em bolhas – eu pouco conheço a filosofia de vida que trouxe tanto sucesso ao candidato-coach, mas pelo que eu vi deu para ter uma ideia. Ele defende uma visão peculiar de “produtividade, crescimento e liberdade”.
Vamos aguardar, se ele for eleito, o que é possível, mas não inevitável, a lista das obras proibidas por não contribuir com a produtividade. Mas acho que essa palavrinha aí é chave para entender o candidato-coach e o perigo que ele representa. Arte, literatura, cultura, essas coisas pouco têm a ver mesmo com produtividade. Para uma ideologia pautada pela produtividade total, realmente elas atrapalham. Elas semeiam dúvidas, abalam certezas, despertam ambiguidades, incomodam, nos fazem questionar nossa própria existência. Nada disso é bom para a produtividade. Imagino que os livros “bons” para o candidato-coach sejam os inúmeros títulos de autoajuda, desenvolvimento pessoal e todo tipo de “papo de coach” que vemos hoje em dia, esses sim focados na produtividade, no desenvolvimento e na “liberdade”.
Estamos vendo para onde esse culto à produtividade está nos levando. Estamos matando biomas e nos envenenando no altar da produtividade, acreditando que por meio dela chegaremos à Terra Prometida, mas só encontraremos ao final terra arrasada. A perversidade e sociopatia do modo de pensar “coach” de que o candidato-coach é um dos maiores expoentes é só um dos sintomas do sistema que construímos e que agora nos está levando ao abismo, mas não pode ser parado. O capitalismo coach é o late-late-stage capitalism, talvez seja o fundo do poço, mas sempre pode piorar.
Talvez possa parecer que o banimento de livros de redes públicas de ensino seja uma questão menor quanto a, por exemplo, as mudanças climáticas, as queimadas e a fumaça tóxica que envolve o Brasil nesse momento. Mas está tudo interligado. Eles querem queimar livros para queimar florestas, e vice-versa. O acesso ao conhecimento, o prazer pelo conhecimento, e o acesso a outras formas de se estar no mundo que não a do capitalismo neoliberal coach, a outras visões de mundo e possibilidades, não interessa para eles. Eles querem só os livros deles, as ideias deles e a forma deles de existência, que é esse culto da produtividade total, de um trabalho que nada produz e de recompensas que não recompensam.
Claro, o coach precisa de um público de gente fracassada, derrotada pela vida, e promete a redenção, mas a redenção nunca chega. Sempre é preciso comprar mais um livro, se inscrever em mais um curso, participar de mais uma palestra, e se você não consegue, é porque não se esforçou o suficiente. Milhões de pessoas trabalhando loucamente, de forma cada vez mais precarizada, com burnout, adoecendo de várias formas, para manter girando a roda do sistema que cada vez mais nos massacra e nos sufoca.
Meu filho está em uma excelente creche municipal de São Paulo. Me preocupo com o que vai ser da creche, ou da EMEI onde ele irá a partir de 2026, se o candidato-coach for eleito. Já peguei e li com ele vários livros legais da creche e da biblioteca municipal que fica ao lado que imaginariam que estariam na lista da fogueira do coach. Isso me entristece profundamente, me deprime mais do que a fumaça tóxica do agro criminoso. São parte do mesmo problema, mas essa parte me toca em um lugar bem sensível.
Geralmente eu terminaria aqui com uma nota de otimismo, um chamado à luta para não deixarmos eles vencerem e nos matarem, mas estou tão cansado e abalado com tudo que não consigo. Por muito tempo tive aquela preocupação sobre se seria ético por mais um ser humano nesse mundo tão complicado, e acabei concluindo que sim, valeria apena esse investimento na esperança de que as novas gerações construam um futuro melhor. Mas olho para o meu filho com o nariz entupido e tossindo por causa dessa fumaça, enquanto leio para ele um livro que não ensina “produtividade”, e dá um nó na garganta.
Tenho aqui uma cópia desse livro do Ignácio de Loyola Brandão que profetizou o que estamos vivendo agora, e como ainda pode piorar. Espero que ele não pegue fogo até o Chico ter idade para ler e entender, e recomendo a todos que não leram, que leiam. É fácil de achar, por exemplo, no Estante Virtual.