Há mais de uma semana não vejo o céu azul daqui da janela do home office. Essa cor estranha e indefinível, meio branco sujo, meio cinza, meio rosa, domina. Não é nuvem. Deveria estar sol, mas o sol mal consegue atravessar a camada de matéria particulada. Como bom paulistano nascido e criado na cidade da inversão térmica, desde criança sofro no inverno com as gripes, refriados e -ites em geral (antes, mais amigdalite, depois sinusite e rinite). O mundo pós-COVID não melhorou esse cenário.
Me lembro do impacto que foi quando, lá em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, houve o tal “Dia do Fogo”, e o céu ficou preto em São Paulo no meio do dia. Naquele dia eu tive uma sensação muito ruim de pensar que isso seria o “novo normal”.
Estou acostumado com a poluição padrão de São Paulo. Se na época dos meus pais e avós a maior preocupação era as chaminés das fábricas, para a minha geração poluição quer dizer a dos veículos automotores com motor à combustão. Já vemos os carros elétricos da BYD rodando, e eles são o novo desejo de consumo da classe média. Mas o transporte público, mobilidade ativa, mudanças urbanas para facilitar deslocamentos, avançou bem menos do que deveria nos últimos anos. Há menos de dez anos tínhamos um perfeito que parecia se preocupar com isso e tinha projetos, ciclovia, corredor de ônibus.. Ele foi chutado da prefeitura e depois veio o que a gente sabe.
Tive que sair de casa esses dias, de ônibus, e passei muito mal com o calor seco poluído. O trânsito estava péssimo, com um mar de carros, 9 entre 10 só com uma pessoa dentro, pouquíssimos elétricos. Mas a poluição que estamos vendo nessa última semana em São Paulo não é culpa (só) dos carros, caminhões e outros veículos a gasolina ou diesel. Essa matéria particulada é o carbono de árvores, plantas, animais e outros seres vivos queimados em todo o continente sul-americano nesse inverno excepcionalmente seco e quente. Queimadas na Amazônia, no Pantanal e aqui perto, nos canaviais do interior do estado de SP.
Enquanto isso, sigo minha vida. Afinal, não está faltando trabalho (e que bom!), e tem os cuidados com o filho pequeno, a casa, a cachorra, a esposa que também está trabalhando loucamente... Tem a fisioterapia, terça e sexta, a terapia da cabeça, na quarta. Os problemas e BOs que nunca param. E aquela dor de cabeça, o nariz seco e fechado, a garganta arranhando, o olho coçando. Aquele mal-estar. Noites mal dormidas. O mal-estar maior é aquela voz que fica: “mas você não devia estar fazendo alguma coisa? Nós não devíamos estar fazendo alguma coisa? Vocês sabem o que está acontecendo, se continuar assim vai dar muito ruim. Vocês precisam fazer alguma coisa”.