Novamente devo pedir desculpas pela ausência da última semana, o tal frila segue dominando minhas horas acordadas… Há tempos queria falar algo sobre O ESTADO DA INTERNET a partir da constatação de que a rede foi o grande responsável pelo ataque ao Capitólio estadunidense no último dia 6 e é a grande responsável para a tragédia do estabelecimento da nova extrema-direita tecnofascista como uma força política considerável a nível global.
Mas aí hoje um dos grandes assuntos foi o movimento anormal do mercado de ações aparentemente provocado por um grupo MOTIVADO de pequenos day traders - pessoas comuns que tentam tirar um troco na Bolsa impulsionado pela popularização de apps que tornam apostar no mercado de ações muito mais fácil e intuitivo, e com GAMIFICAÇÃO, como o já famoso Robinhood - resolveram agir como hedge funds, juntando seus recursos para apostar em empresas com dificuldades, como a cadeia de lojas físicas de videogame Gamestop, e conseguiram com sucesso criar um movimento especulativo que deixou muitos deles com um bom dinheiro e muitos hedge funds de verdade (grandes fundos formados por recursos de grandes investidores) em dificuldades, precipitando a maior queda dos índices de Nova York desde o início da pandemia e uma onda de pânico entre os que tem muito dinheiro nessa brincadeira e agora querem levar a bola e não deixar os pobres brincarem.
A “zuera” começou na r/WallStreetBets, uma subreddit (tópico) do Reddit, um lugar meio estranho da internet, que não é bem rede social, nem message board, nem plataforma de blog, mas é tudo isso e um termômetro do que vai viralizar nas redes mais mainstream. Eu mesmo nunca usei e entrei HOJE pra tentar entender melhor, mas enfim… O predomínio das gigantes de redes sociais e web 2.0 como Google, Facebook e Twitter e o modelo de negócio baseado em publicidade e venda dos dados do usuário é visto como o grande “vilão” da perda de um certo ethos subversivo “do bem” da internet dos primórdios, e esse é um debate longo… E o Reddit ainda parece um pedaço dessa web perdida. Os redditors que se juntaram para ferrar hedge funds de Wall Street não se consideram revolucionários socialistas que vão destruir o sistema, estão mais como também querendo entrar na festa e tirar seu dinheiro na brincadeira, com uma mentalidade bem neoliberal, mas mesmo assim isso foi uma das coisas mais revolucionárias que eu vi ultimamente, no sentido de potencial de quebrar um sistema que causa muito mal e forçar uma redistribuição de renda já que os órgãos reguladores nunca se importaram quando eram só os ricos que faziam isso.
Para quem não entendeu o que exatamente eles fizeram, aqui tá uma explicação “para pessoas normais” (que podia ganhar uma legenda em português).
Já tem gente pirando que esses “moleques” vão fazer o “potencial de meme” virar uma métrica real de valorização de uma ação, e o Scott Galloway, um dos grandes profetas da atual era de exuberância nos mercados impulsionada pela revolução digital, ficou PUTO e tá falando que esses trolls fazem isso porque não conseguem fazer sexo (!).
Por acaso um texto dele é um dos que eu tinha separado, sobre o debate após o banimento do Trump de Twitter e Facebook e o quanto isso seria um ato de censura e sinal preocupante do papel desmedido das grandes plataformas na economia e política atuais. O Galloway argumenta que as redes se tornaram um “shadow government” (governo oculto). Ele lembra que a ascensão das Big Techs também é consequência do processo de demonização do governo que começou no governo Reagan, e que agora as grandes empresas de tecnologia estão substituindo as instituições de estado como árbitras do debate público.
Tristan Harris, “o cara do Dilema das Redes”, outra voz relevante nessa conversa, traçou um plano para “reformar a economia da atenção” que está na base das redes. O approach dele é bem reformista mesmo, mas pretende mudar pontos fundamentais, como as métricas que regem a monetização dos conteúdos e das plataformas.
Será que a internet estava fadada desde o princípio a ser esse lugar estranho, mediada pela busca de lucro e pelo comércio, onde os comportamentos mais ultrajantes, a busca por atenção vazia e pelo hiperestímulo de nossas piores tendências são recompensadas? Como alguém que “entrou na internet” nos idos de 1996, como participante entusiasmado do potencial que tinha lá no começo até a saturação e preguiça com o que virou, esse assunto me interessa bastante. Afinal, as redes podem ser espaços contraculturais? A edição mais recente da revista Document traz bons textos sobre isso. No primeiro, eles falam que tem contracultura digital, mas você não vai encontrá-la no Instagram. O outro é uma entrevista com R.U. Sirius, editor da SEMINAL revista cyberpunk Mondo 2000, que misturava psicodelia, os extremos da vanguarda artística e o potencial das redes.
Esse assunto ainda vai dar PANO PRA MANGA. Eu posso estar viajando, mas o movimento das bolsas impulsionado pelas big tech que concentrou ainda mais renda na mão dos maiores tubarões na pandemia está começando a mostrar rachaduras, e se as plataformas tiverem que arranjar outra fonte de lucro pois o modelo de negócios atual está destruindo a civilização, a coisa vai ficar INTERESSANTE.